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domingo, 17 de fevereiro de 2008

Dia de Darwin 2008: dia de reflexões para a Biologia Moderna

Neste sábado (16/02/2008) o Museu de Zoologia da USP (MZUSP) elaborou pelo terceiro ano consecutivo o Dia de Darwin, para celebrar o 199º aniversário de nascimento de Charles Darwin, que é no dia 12 de fevereiro.

Não pude deixar de ir pra São Paulo e conferir o evento, pois a programação prometia discussões de alto nível, com um elenco de peso: (da esquerda para a direita, na foto) Nelio Bizzo (da Faculdade de Educação da USP, destaque na pesquisa sobre ensino de Evolução no Brasil), Hussam Zaher, Mario de Vivo, Mário de Pinna (curadores do MZUSP) e Diogo Meyer (Instituto de Biociências/USP).


O prof. Dr. Nelio Bizzo abriu o evento com a palestra "A Teoria Genética de Darwin", trazendo importantes informações sobre como a idéia da Pangênese se encaixava muito bem no contexto histórico do século XIX e indícios de que Darwin tinha conhecimento sobre o trabalho de Mendel, mas talvez não tivesse dado bola, pois os resultados de Mendel eram semelhantes aos seus (é, Charles também realizou experimentos semelhantes aos de Gregor Mendel).

À tarde foram realizadas palestras curtas com os outros covidados e depois formada uma mesa redonda com os palestrantes (incluindo o Bizzo), na qual fora abordados os mais diversos temas acerca da Teoria Evolutiva e do Darwinismo.

Um dos assuntos levantados foi o impacto das declarações de cientistas (alguns de renome dentro de sua área) que questionam a Teoria Evolutiva como a conhecemos, alegando que as novas descobertas sobre Genética, Bioquímica, Biologia Molecular e Biologia do Desenvolvimento vão de encontro às bases da evolução e seus mecanismos. Acontece que este tipo de argumento não poderia ser mais inválido. Nunca o Darwinismo e a Teoria Evolutiva estiveram tão bem suportados pela Ciência.

Um campo que tem prometido muitas descobertas é a Biologia do Desenvolvimento, também chamada de Evo-Devo. Ela aborda todas as etapas de desenvolvimento dos sers vivos, desde o óvulo fertilizado até o organismo completo, bem como os mecanismos que regulam estas etapas. Indico a leitura de um excelente livro que trata sobre o assunto: Infinitas Formas de Grande Beleza, de Sean B. Carroll.


A Evo-Devo tem mostrado que certos grupos de genes são comuns em muitas classes distintas de animais (como entre moscas-das-frutas e o homem). Essa semelhança genética entre grupos tão distintos dá suporte ao cerne do Darwinismo: a Origem Comum. Somente através dela é que se pode explicar tal semelhança de genes. Além disso, um conjunto de genes que funcionam tão bem e conferem uma vantagem para o organismo não seria abandonada ao longo das gerações, pois provavelmente sem este conjunto o organismo não poderia se desenvolver adequadamente para deixar descendentes. Desta forma, os genes tenderiam a se manter nas gerações futuras. Agora eu lhes pergunto: onde está a contestação ao Darwinismo? Ou à Evolução?


Uma descoberta que abalou profundamente certos pré-conceitos da Ciência foi a de que os seres humanos têm entre 30.000 e 40.000 20.000 e 25.000 genes. Isso é pouco, pois esperava-se algo acima dos 100.000 genes, devido à idéia de que o ser humano é o ser vivo mais complexo - hmmm, isto me cheira algo de egocentrismo... Como o ser humano pode ter somente menos de 30.000 genes!? Estima-se que o arroz tenha mais de 40.000 genes... E olha que ele não é capaz nem de falar...

O debate sobre o que é complexidade orgânica foi, então, levantado. Também questionou-se qual a relação entre a complexidade e o número de genes, pois ela agora não parecia ser algo linear, ou seja, quanto mais complexo, mais genes. Alguma luz foi jogada sobre o assunto quando os mecanismos de preparação do RNA para a produção de proteínas foram melhor compreendidos. Antigamente, pressupunha-se que um gene produzisse uma proteína (daí esperar que o homem tivesse centenas de milhares de genes, devido ao grande número de proteínas que estão presentes durante nosso desenvolvimento e as que são produzidas ao longo da vida). Hoje sabemos que um gene pode produzir mais de um tipo de RNA, produzindo mais de uma proteína. Quem souber de mais mecanismos, pode colocar nos comentários!

Novas proposições sobre quais mecanismos atuam sobre a evolução das espécies além da Seleção Natural têm sido amplamente debatidas. Nenhuma delas nega a Seleção ou coisa do tipo, mas levantam questões: será que tudo pode ser explicado através da Seleção? Será que nossas perguntas estão corretas? Dois exemplos de questões usadas para insinuar a invalidade da evolução ou da seleção, abordados na mesa redonda do Dia de Darwin no MZUSP:
  • Qual a vantagem evolutiva de possuirmos cinco dedos? No passado distante, os primeiros tetrápodes (animais com quatro patas) tinham cerca de dez dedos. Conforme o tempo foi passando, surgiram também os tetrápodes com sete e com cinco dedos. Repentinamente, no registro fóssil, passou-se a encontrar somente tetrápodes com cinco dedos, e a partir deles todos os vertebrados (exceto os peixes) evoluíram. Ora, tavez não haja uma vantagem evolutiva em se ter cinco ou qualquer outro número de dedos, mas pode ser que no passado certos eventos tenham levado os tetrápodes cheios de dedos à extinção, e os dedos não fariam diferença alguma na sobrevivência de um ou de outro. Portanto, a pergunta estaria errada. Percebe que em nenhum momento a Seleção Natural ou a Evolução foram invalidadas?
  • Qual a vantagem evolutiva para as centopéias em se ter sempre um número ímpar de segmentos, seja 15 ou mais de 100? Todas as centopéias possuem um número ímpar de segmentos. Talvez o número de segmentos não seja objeto de Seleção, bem como o número de dedos da questão anterior. Sabe-se que durante o desenvolvimento das centopéias, a massa de células embrionária, em um certo momento, divide-se em duas: uma parte formará a cabeça e a outra, o restante do corpo. Assim, sempre a centopéia terá um número ímpar de divisões, pois a cabeça não se replica como os segmentos do resto do corpo. Os estudos sobre Evo-Devo demonstram que muitas partes dos animais são meras cópias umas das outras: um segmento da centopéia é praticamente igual ao outro, bem como os ossos dos nossos braços são semelhantes aos de nossas pernas. Assim, o fato do número de divisões do corpo das centopéias ser sempre ímpar parece não ter nada a ver com vantagem evolutiva, demonstrando que a pergunta é errada. Poderíamos refomulá-la: por que as centopéias têm sempre um número de segmentos ímpar? Pergunto novamente: em que momento a Evo-Devo ameaçou a Teoria Evolutiva ou a Seleção Natural? Ela apenas esclareceu mais ainda o assunto...
Toda a contestação levantada sobre a Teoria Evolutiva e a validade do Darwinismo, portanto, parece ser um ataque indevido e oportunista, pois se aproveita de discussões específicas dentro da Biologia Evolutiva para dizer que suas teorias centrais estão erradas. Pelo contrário, estas discussões apenas revelam que a Teoria Evolutiva e a Seleção Natural passam bem, e que elas podem ser muito mais complexas do que imaginamos. Essa é a minha conclusão e foi a mesma apresentada pela mesa redonda no Dia de Darwin.

Referências: Palestras e discussões realizadas durane o Dia de Darwin 2008, no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. São Paulo, 16 de fevereiro de 2008. Vídeos do evento disponíveis no site do IPTV USP Experimental.

2 comentários:

Patola disse...

Ok, mas a estimativa de 30 mil está errada, a mais correta é de 20 a 25 mil.(mais sobre isso aqui

Estatísticas atuais do Ensembl:

Statistics
Assembly: NCBI 36, Oct 2005
Genebuild: Ensembl, Dec 2006
Database version: 48.36j
Known protein-coding genes: 21,541
Novel protein-coding genes: 1,199
Pseudogenes: 2,081
RNA genes: 4,421
Immunoglobulin/T-cell receptor gene segments: 388
Genscan gene predictions: 69,073
Gene exons: 275,708
Gene transcripts: 48,400
SNPs: 13,022,900
Base Pairs*: 3,253,037,807
Golden Path Length**: 3,093,120,360
Most common InterPro domains: Top 40 Top 500

Gustavo Simões Libardi disse...

Valeu Patola, pela referência atualizada!
Abraços!